OVELHAS
 

Numa floresta devidamente protegida, conservada e melhorada, o ordenamento da pecuária e da silvicultura, associadas de forma regrada, pode concorrer para a valorização dos recursos naturais, proporcionando às populações o seu correto desenvolvimento.

Os sistemas silvopastoris, tal como outras atividades, exigem o estabelecimento de regulamentações e o emprego de técnicas.

ORDENAMENTO SILVOPASTORIL NA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA: RETIRADA DE OVINOS E CAPRINOS EM PASTOREIO DESREGRADO NAS SERRAS DA MADEIRA E DO PORTO SANTO (1994 – 2003)

A retirada definitiva de ovinos e caprinos soltos e asselvajados foi fundamental para:

  • Ordenamento em detrimento da desordem;
  • Estabelecimento do equilíbrio biofísico nas áreas de intervenção.
  • A recuperação do coberto vegetal, que é imprescindível para a proteção dos solos e infiltração das águas.
  • A expansão dos espaços de vegetação autóctone (Laurissilva) que é essencial para a manutenção do equilíbrio hidrológico e da biodiversidade.

As superfícies da retirada também têm sido objeto de medidas de melhoramento, nomeadamente de recuperação biofísica dos terrenos, com efeitos positivos em termos ambiental, social e económico.
Ao Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, IP-RAM cabe a obrigação de fiscalizar e de promover o ordenamento de rebanhos e pastagens da RAM, no âmbito do regime silvopastoril previsto pela lei, assegurando o respetivo equilíbrio ambiental.


A PRESENÇA DE GADOS NAS ZONAS ALTAS DA MADEIRA E PORTO SANTO

A introdução de suínos, caprinos e ovinos nas zonas altas das Ilhas da Madeira e do Porto Santo aconteceu desde os primórdios da colonização e destinou-se ao sustento das populações. A falta de predadores naturais levou a que o homem negligenciasse o acompanhamento dos rebanhos, deixando os animais soltos e entregues à sua sorte, ocorrendo de forma errática e nunca se enquadrando no conceito de pastorícia. Entretanto, a ocorrência de incêndios florestais e o corte clandestino de espécies de grande valor da floresta indígena, ao longo de séculos, também contribuíram para o aumento do espaço territorial desses gados, que desde muito cedo foram causadores de problemas gravíssimos.

Sem planificação e sem sustentação técnica, ou seja, em zonas inadequadas, soltos e asselvajados, sem rotação e com excessivas e descontroladas cargas animais em razão das disponibilidades alimentares, a presença dos gados foi sempre incompatível com a preservação e sustentabilidade dos ecossistemas. Mas os animais foram sendo mantidos e como testemunho da grande quantidade que apascentou livremente nas serras, refere-se um relatório do engenheiro silvicultor José Augusto Fragoso, apresentado à Junta Geral no ano de 1929, onde pode ler-se que são “cerca de 80.000 cabeças de gado suíno, ovino e caprino em perfeito estado selvagem...” que se acham disseminadas nas diversas pastagens da Ilha da Madeira.
Também o “Eco do Funchal”, de 27 de Janeiro de 1946, noticia “Nós sabemos, de fonte certa, que todo o gado, que pasciga em todas as serras da Madeira, atinge o número de 95.000 cabeças assim classificadas: 55.000 ovelhas, 25.000 cabras e 15.000 porcos”.

Apesar de terem representado um complemento à subsistência das populações, a evolução que foi acontecendo, ao longo dos tempos, fez com que os gados das serras perdessem importância nos dias de hoje. Deixaram de existir proprietários de gado que se dedicassem exclusivamente a ter animais nas serras ou que deles dependessem para sobreviver, mantendo-os apenas por capricho e quase não se deslocando às serras para realizar as tarefas relacionadas com eles. A maioria dessas pessoas desenvolvem atividades profissionais sem qualquer relação com o sector agrícola e os que são agricultores a criação de gados nas serras não era a sua atividade principal.

A presença errática dos animais, maioritariamente em zonas de grandes declives, favoreceu a delapidação dos solos que, sem o coberto vegetal e com o pisoteio dos animais, sofreram efeitos nefastos, sendo diretamente responsável pela degradação do coberto vegetal, pelo aparecimento de fenómenos erosivos dos solos e consequentemente pela ocorrência de enxurradas.
Em contrapartida a esta atividade desregrada, muitas foram as tentativas para a sua organização e disciplina, tendo sido lavrados diplomas no sentido de controlar a ocorrência de gados selvagens na floresta. Salientamos que, a 14 de Janeiro de 1515 e a 27 de Agosto de 1562, através de dois Regimentos, foi promulgado o que se chamou de “Código Florestal da Madeira”, que fez restrições ao gado, proibindo o corte de ramos de árvores para estes. Posteriormente, foram promulgados a Carta Régia de 14 de Maio de 1804 e o Alvará Régio de 18 de Setembro de 1811. Contudo, só a 23 de Julho de 1913 e a 22 de Setembro de 1917 foram publicados os diplomas conhecidos como Lei “da pastagem de gados nas serras”, que estabeleceram disposições acerca das pastagens em propriedade particular e em terrenos do Estado ou das Câmaras, na tentativa de controlar o uso da floresta pelos gados e acautelar os prejuízos causados pela sua livre apascentação. Porém o seu cumprimento nunca se observou em toda a plenitude, não satisfazendo o fim desejado. A partir de 1952, com a criação da Circunscrição Florestal do Funchal, que tomou a iniciativa de implementar medidas de gestão e ordenamento para os espaços ocupados pelos gados, assiste-se a tentativas de controlo de suínos, caprinos e ovinos nos baldios e perímetros florestais, entretanto constituídos.

As tentativas de resolução do problema dos gados soltos nas serras constituíram grande parte do esforço e dedicação daqueles que, ao longo dos anos, se envolveram diretamente no problema e procuraram encontrar caminhos para a sua resolução. No entanto, encontraram sempre grandes dificuldades, sendo uma das maiores a resistência dos proprietários dos animais a todo e qualquer tipo de mudança, fruto das implicações sócio culturais, que transitavam de geração para geração como se se tratasse de heranças e que dificilmente eram transacionadas para terceiros, por força da sua índole familiar e do forte sentimento do usufruto fundiário. Assim, apesar de todo o empenho, foi difícil reprimir os interesses e as resistências dos proprietários dos gados e até 1980 a presença de animais soltos pelas serras continuou a fazer-se sentir por grande parte do Território, abrangendo aproximadamente 51.400 hectares.

A ERRADICAÇÃO DOS SUÍNOS E A RESTRIÇÃO DAS ÁREAS DE PASTOREIO AOS OVINOS E CAPRINOS

Nos anos 80 do século XX assiste-se ao grande passo para a racionalização do uso das serras pelos gados, com os Serviços Florestais na época, a darem primordial importância ao ordenamento dos animais que continuavam a ocorrer de forma desregrada. Foi conseguida a reunião dos proprietários de animais em Cooperativas e Associações e foram definidas as espécies pecuárias permitidas, confinadas a áreas pré-estabelecidas. A estratégia procurou a responsabilidade de grupo em detrimento dos interesses individuais e permitiu o estabelecimento de contactos permanentes com os responsáveis dessas coletividades, envolvendo-os na gestão coletiva dos assuntos e no cumprimento da legislação em vigor. Assim, entre 1982 e 1987 conseguiu-se a erradicação total dos suínos e a partir de 1983 conseguiu-se confinar os ovinos e caprinos, que ficaram restritos a 17.500 hectares.
Contudo, os ovinos e caprinos continuaram a ocorrer sem qualquer tipo de acompanhamento, sendo flagrante a total ausência de condução dos animais por pastores. A maioria dos proprietários, simplesmente, queriam os animais soltos na serra, sem preocupações de ordenamento e sem quaisquer encargos, negligenciando o cumprimento da legislação. Perante essas condições, tornou-se imperioso a erradicação definitiva desses ovinos e caprinos.

A MEDIDA DE RETIRADA DE OVINOS E CAPRINOS DAS SERRAS

As circunstâncias em que ocorriam os animais e as exigências no cumprimento da legislação proporcionaram à Direção Regional de Florestas (atual Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, IP-RAM) a possibilidade de exclusão definitiva dos ovinos e caprinos soltos e asselvajados das Serras da Madeira e do Porto Santo. A partir de 1994 foi possível concretizar esta estratégia, com recurso à atribuição de indemnizações aos proprietários que procedessem à retirada voluntária de animais que se encontrassem em terrenos de aptidão florestal e/ou de incultos e que se comprometessem a não voltar a colocar mais animais sobre essas superfícies, com as indemnizações a significarem o reconhecimento da propriedade dos animais e a constituírem uma forma de amenizar possíveis conflitos sociais. Relativamente a esses compromissos financeiros, os encargos foram suportados pelo Orçamento da Região Autónoma da Madeira e/ou por apoios provenientes de fundos comunitários – Medidas Agroambientais (Regulamento (CEE) n.º 2078/92). A retirada voluntária de ovinos e caprinos ficou concluída em 2003.
 Nos Quadros I, II, III e IV apresentam-se os resultados da medida de retirada de ovinos e caprinos, cujos valores são reveladores da sua grandeza e importância.
 
Quadro I – Animais retirados no âmbito da medida de retirada de ovinos e caprinos

Anos de Retirada Número de Animais Retirados  Total de
Animais
Retirados
Orçamento da Região
Autónoma da Madeira
Medidas Agroambientais
Reg. (CEE) nº 2078/92 
Madeira  1994  350  0  350
 1995  29  236  256
 1996  2285  313  2598
 1997  0  5088  5088
 2001  5774  0  5774
 2002  1657  0  1657
 2003 9854  0  9854
Porto Santo  1995  0  752  752
Total de
Animais Retirados
 19 949  6 389  26 338

Quadro II – Superfícies de incidência da medida de retirada de ovinos e caprinos 

Anos de Retirada Número de
Zonas abrangidas
 Dimensão das áreas
(Hectares)
Madeira  1994 1 350
 1995 1 270
 1996 2 3 000
 1997 2 2 570
 2001 1 2 715
 2002 3 1 146
 2003 17 5 124
Porto Santo  1995 1 1 800
Total de
Animais Retirados
 28 16 975

Quadro III – Encargos financeiros no âmbito da medida de retirada de ovinos e caprinos

Anos de Retirada Valor das Indemnizações (Em Euros) Total de
Indemnizações
Orçamento da Região
Autónoma da Madeira
Medidas Agroambientais
Reg. (CEE) nº 2078/92 
Madeira  1994 26 186,89  0 26 186,89
 1995 2 893,03 44 372,73 47 265,76
 1996 213 610,20 58 850,27 272 460,47
 1997 0,00 956 645,93 956 645,93
 2001 1 080 022,15 0,00 1 080 022,15
 2002 309 859,00 0,00 309 859,00
 2003 1 842 698,00 0,00 1 842 698,00
Porto Santo  1995  0 141 391,07 141 391,07
Total de
Animais Retirados
3 475 269,27 1 201 260,00 4 676 529,27

Quadro IV – Proprietários de animais candidatos à medida de retirada de ovinos e caprinos 

Anos de Retirada Número de Candidaturas Total de
Candidaturas
Orçamento da Região
Autónoma da Madeira
Medidas Agroambientais
Reg. (CEE) nº 2078/92 
Madeira  1994 0 96 96
 1995 103 0 103
 1996 31 0 31
 1997 220 0 220
 2001 6  0 6
 2002 6 4 10
 2003 47 15 62
Porto Santo  1995  0 30 30
Total de
Candidaturas
413 145 558

Em resumo, entre 1994 e 2003 foram erradicados definitivamente 26.338 ovinos e caprinos soltos das serras, de 28 zonas da Madeira e do Porto Santo, com uma área total de aproximadamente 16.975 hectares, disciplinando-se uma atitude que durava há séculos. A medida envolveu um encargo total de 4.676.529,27 euros.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A retirada definitiva de ovinos e caprinos de áreas com excessiva carga animal e sem ordenamento e de áreas sem aptidão para a pastorícia, foi fundamental para o ordenamento em detrimento da desordem e contribuiu para o estabelecimento do equilíbrio biofísico das áreas de intervenção. A recuperação do coberto vegetal dessas áreas é imprescindível para a proteção dos solos e infiltração das águas, assim como, a expansão dos espaços de vegetação autóctone, nomeadamente a Floresta Laurissilva. É essencial para a manutenção do equilíbrio hidrológico, por ser a principal responsável pela captação da água dos nevoeiros. Também por ser detentora de elevada biodiversidade e de paisagens deslumbrantes, a floresta Laurissilva é uma das imprescindíveis atrações turísticas da Madeira, com o seu reconhecimento internacional a refletir-se no facto de ser classificada como uma Reserva Biogenética do Conselho da Europa, como um Sítio da Rede Natura 2000 e como Património Mundial Natural sob a égide da UNESCO.

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